domingo, 14 de novembro de 2010

JUVENTUDE ANTENADA- COMO ANDA A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO GRUPO DE JOVENS






A Conferência de Medellín é a segunda da América Latina. Antes dela, a primeira, aconteceu – como agora, a de Aparecida – no Brasil, em 1955, na cidade do Rio de Janeiro. É pouco comentada e conhecida, não porque não tenha importância, mas por dois fatores que parecem, se não justificáveis, pelo menos explicáveis: primeiro, porque já está distante no tempo, numa realidade como a nossa que não cultiva a tradição de manter viva a memória e, depois, pelo fato de ter-se realizado antes do Vaticano II e, portanto, sem os horizontes do Concílio que a fizesse marcar época ou posição no Continente, como foi o caso de Medellín. Não obstante, a seu modo e dentro do contexto em que se realiza, a Conferência do Rio de Janeiro, na opinião de especialistas, foi um “divisor de águas” para a Igreja da América Latina e Caribe, na medida em que, a partir dela, já começam a aparecer as preocupações com os grandes desafios que interpelam o Continente; a perspicácia, sobretudo de D. Hélder Câmara, que já está aí presente, estimulando a opção para que a “nossa Igreja” tenha o seu rosto próprio; o trabalho dele e de outros para criar e consolidar o CELAM e as Conferências Episcopais etc. Graças a todos estes esforços foi possível celebrar agora a V Conferência. Um caminho iniciado pela profecia de Pio XII, na sua carta Ad Ecclesiam Christi, lida na abertura da I Conferência, onde, depois de elogiar a América Latina, afirma acreditar que “dentro em pouco”, o continente Latino-Americano “possa achar-se em condições de responder, com vigoroso impulso, à vocação apostólica que a Providência divina” parece ter-lhe “designado”. Vocação essa de ocupar “lugar de destaque na nobilíssima tarefa de comunicar também a outros povos, no futuro, os ansiados dons da salvação e da paz”.[1]

4.1. A herança de Medellín (1968)

A Conferência de Medellín constitui a primeira releitura do Vaticano II para a realidade latino-americana. É de consenso que foi a “recepção criativa” do Concílio para o nosso Continente. Nossos desafios, entretanto, são ainda mais críticos que aqueles que deram origem ao Concílio. Em 1968, no Brasil, por exemplo, está em plena vigência a ditadura militar, que teve início com o golpe de 1964. Ao nosso, somam-se vários outros países da América Latina que, com total apoio dos EUA, vão consolidando seus regimes de força, repressão, tortura e morte. A fome e o empobrecimento das massas, conseqüência da extorsão de grupos estrangeiros ou multinacionais[2] que se espalham pelo Continente, configura um quadro de injustiça social que converge para condenar nossos povos à miséria.

No plano eclesial já há murmúrios de inconformismo com uma visão de Igreja estruturada mais hierarquicamente, sem levar em consideração o envolvimento e a participação de todo o Povo de Deus. Um bom exemplo aqui é o do Movimento Litúrgico, liderado pelos beneditinos do Rio de Janeiro, anterior, inclusive, ao próprio Concílio, buscando ensaiar passos concretos, revolucionários para a época (presidente da celebração de frente para o povo, missa em língua vernácula etc.), com o objetivo de renovar a liturgia. Entre os nomes que estão na origem deste movimento, sobressaem os de D. Martinho Michler e D. Clemente Isnard, que mais tarde se tornou Bispo de Nova Friburgo-RJ e, durante muito tempo presidiu a Comissão de Liturgia da CNBB, ocupando também sua vice-presidência. No campo litúrgico, eles foram, assim, os profetas, protagonistas dos novos tempos que se anunciavam para a Igreja latino-americana.

4.2. A opção pela justiça e libertação

A liturgia era, no entanto, apenas um dos alvos a ser atingido pelo movimento de transformação proposto pelo Concílio. Relido e atualizado a partir da América Latina oprimida e reprimida, o Vaticano II motivará aquelas que são consideradas as “opções-eixo” de Medellín, entre as quais se destacam: a Opção pelos Pobres; a Opção pela Libertação; a Opção pelas Comunidades Cristãs de Base; a Opção pela Justiça Social; a Opção pelo Profetismo...

Observe-se, logo de início, que a Opção pelos Pobres não traz ainda o adjetivo “preferencial” (acoplado só tardiamente por Puebla). Em Medellín a Opção pelos Pobres é clara, transparente e genuinamente evangélica, como foi a opção de Jesus, conforme vimos acima. Nesta opção, talvez a mais importante no contexto de um Continente marcado pela injustiça e opressão que se exerce precisamente contra os empobrecidos e miseráveis, a Igreja latino-americana propõe um passo qualitativo, a saber, o de retornar às fontes bíblica e em especial do Segundo Testamento, para dar lugar a uma ética de inclusão. Se a identidade do cristão e da cristã é o seguimento do Mestre, repetindo, na história, sua palavra e ação libertadora, então a Opção pelos Pobres se distinguirá, de fato, como marca registrada e critério de salvação (cf. Mt 25,31ss) não só para a América Latina, mas para toda a Igreja, na advertência já consagrada Paulo VI: “Se quiserdes, hoje, conhecer quem foi Jesus Cristo, olhai para o rosto dos pobres. Eles espelham a verdadeira face do Cristo”.

De igual modo, a Opção pelas Comunidades Cristãs de Base não traz a designação “eclesial” que, posteriormente, será inserida, substituindo o “cristãs”. Estas “comunidades cristãs” (cf. Doc. De Medellín) nascem e se desenvolvem com relativa autonomia e em espírito de liberdade frente seja ao Estado, seja à Igreja oficial, conforme nos atesta a pesquisa publicada pela CNBB, em 1974: “...a própria formação de uma CEB[3] significa impreterivelmente uma reação a uma forma antiquada de pastoral, de catequese, de vida espiritual, e também de atividade política, na medida em que a CEB inclua fins sociais gerais. O próprio sentido esperado de que cada CEB tenha uma vida mais ou menos autônoma indica a possibilidade de que realize valores e normas diversas das convencionais. Ela não seria satélite, nem da Igreja oficial, nem do sistema político vigente. Mas, pelo contrário, ambos, Igreja e Estado, são vistos em dimensão crítica, pelo menos no sentido de que os parâmetros convencionais não esgotam as possibilidades de oferta de uma vida mais plena”.[4]

Em qualquer hipótese, convém ressaltar que a interposição de “cristã” por “eclesial” não sugere, como poderia induzir, uma espécie de substituição do seguimento de Cristo (cristãs) pelo da Igreja (eclesial). Ao contrário, parece evidenciar a reformulação teológica (eclesiológica) do conceito “comunidade” que, se cristã (seguidora de Cristo), torna-se, naturalmente, eclesial, se entendemos que a missão da Igreja é congregar o Povo de Deus para ser sinal do seu Reino e “sacramento universal de salvação”, que é o mesmo dizer libertação.[5]

As demais opções – pela Libertação, pela Justiça Social, pela contestação Profética – vinculadas, sobretudo, à Opção pelos Pobres, firmam, todas elas, a orientação da Igreja latino-americana, com o propósito de perfilar sua identidade própria e característica, a saber, a de uma Igreja que, perseguida e martirizada, mas em sintonia e comunhão fiel com a Tradição bíblica e apostólica, trabalhará com renovado ardor e amor pela libertação efetiva da América Latina, a fim de que o ser e o ter, e todos os bens sejam socializados para que todos e todas tenham vida.

4.3. O jardim floresceu

Talvez a imagem que melhor corresponda a este Kairós latino-americano seja a do jardim. O jardim que é usado pelo autor do Gênesis (2,8) para designar toda a felicidade e todo o bem que Deus destina à humanidade (cf. Jr 33,9). O jardim a que se refere igualmente o evangelista João (19,41), onde o corpo do Crucificado é sepultado, e de onde sairá vencedor da morte, glorioso, ressuscitado, restituindo esperança e vida nova aos que, seguindo seus passos, refazem seu caminho, na opção e entrega absoluta pelo seu Reino de amor, de justiça e fraternidade.

Nesta seqüência, Medellín pode ser símbolo do jardim latino-americano e caribenho, onde o peso da cruz e a esperança de vida estarão em permanente conflito. Para que, no entanto, em nosso jardim, a vida possa brotar da morte, a “Igreja de Medellín”, amadurecida à luz do Concílio, propõe e realiza a abertura de novos caminhos para a América Latina e Caribe, em diversos níveis:

a) na luta para que os direitos humanos e dos povos sejam respeitados;
b) na substituição do assistencialismo (ou paternalismo) pela verdadeira promoção humana e social, que já era proposta do Concílio;
c) na consciência e no trabalho para que os países em desenvolvimento tenham o cuidado de não marginalizar os pobres e operários;
d) na articulação fé/vida, fé/política;
e) na superação do autoritarismo e centralismo eclesiástico;
f) na valorização da vida comunitária e social;
g) na construção de sociedades solidárias e democráticas que evidenciem os sinais do Reino de Deus.

4.4. O resgate da credibilidade

Estavam postas, assim, as bases de um projeto sólido que, logo em seguida, resultaria no amadurecimento, inserção e compromisso do laicato que agora, confiante na força jovial e transformadora da Igreja, fiel discípula de Jesus e do Reino, organiza-se em comunidades cristãs de base para ler a realidade (vida) à luz da Palavra de Deus (fé), e responder aos grandes desafios (transformação) lançados pela Pátria Grande. A ação destas comunidades se torna tão expressiva para o Continente e, em especial, para o Brasil, que mais tarde os Bispos brasileiros reconhecerão publicamente sua repercussão e importância para a transformação da sociedade e da própria Igreja:

“O novo que as CEBs trouxeram foi o fato de oferecerem, dentro da Igreja, um espaço para o próprio povo simples participar da evangelização da sociedade através da luta pela justiça”.[6]

Esta consciência de que o campo que desafia o cristão e a cristã é o mundo (trabalho, escola, família, esporte, lazer, sindicato, partido etc.), a descentralização pastoral, a Bíblia nas mãos do Povo, a participação nas liturgias que agora rezam e celebram a realidade do cotidiano, a organização e animação das comunidades, o reconhecimento e a valorização dos Leigos e Leigas, são apenas alguns dos traços que fazem o perfil do jardim que começa a florescer com Medellín. Um tempo que, apesar dos grandes e graves tormentos provocados seja pelos regimes de força, seja pela miséria crescente, a Igreja latino-americana assume sua identidade e recupera sua credibilidade, de tal modo que, mesmo em meio às contradições e conflitos, dela se podia paradoxalmente dizer o mesmo que se dizia da Igreja dos primórdios: “vivia em paz...edificava-se e progredia no temor do Senhor, e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo” (At 9,31), conforme era costume cantar nas comunidades:

“Que sabedoria é essa que vem do meu povo? É o Espírito Santo, agindo de novo!”

4.5. Pastores e profetas

O impacto produzido por Medellín foi o que hoje é consciência nas CEBs: uma ação orgânica, bem articulada, integrada, “de baixo pra cima e de dentro pra fora”, que muda o interior e atinge a raiz para converter o todo, o conjunto, e conformá-lo ao projeto do Deus da Vida. Um “novo Pentecostes” que questiona e desinstala (cf. At 2,1-11), e recobra o “entusiasmo do primeiro amor” (cf. Ap 2,4), atualizando o que D. Carlos Alberto Navarro, o Bispo poeta, compunha em uma de suas músicas:

“Somente ao receber teu Santo Espírito, Jesus, os Doze vão levar a boa nova sem temer. É Ele o principal na pregação, é inspirador, dos que lutam pelo Reino até morrer”.

Nesta perspectiva, vimos o florescer de uma geração inigualável de Pastores, que logo se tornaram Profetas na defesa incondicional da vida para os povos oprimidos e reprimidos do Continente, configurando seu ministério ao do Cristo, Bom Pastor, que conhece, ama e dá a vida por suas ovelhas (cf. Jo 10,11.14-15).

No Brasil, nomes como os de D. Hélder Câmara, D. Pedro Casaldáliga, D. Tomás Balduíno, D. José Maria Pires, D. Luciano Mendes de Almeida, D. Ivo Lorscheiter, D. Aloísio Lorscheider, D. Paulo Evaristo Arns, entre tantos outros, entram para o cenário nacional e compartilham do mesmo destino dos que lutam por justiça e paz, sendo igualmente perseguidos, difamados e ameaçados de morte pela ditadura. D. Hélder, por exemplo, cognominado “Bispo Vermelho” pelos militares, responderá com sagacidade:

“Quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, quando pergunto pelas causas da pobreza, me chamam de comunista”.

Fora daqui, na Argentina, Mons. Angelelli; em El Salvador, D. Oscar Romero; na Colômbia, Pe. Camilo Torres; na Nicarágua, Pe. Gaspar García Laviana e, tantos outros, pagaram com a própria vida sua fidelidade ao Reino da Vida e ao Evangelho dos Pobres.

Na década de 70 tive o privilégio de conhecer e conviver com dois desses grandes Bispos que, mergulhados na vida do povo, comungavam de seus sofrimentos na ação evangelicamente solidária: D. Alberto Trevisan, auxiliar do Rio de Janeiro, era, então, coronel do exército! Simplesmente impressionante! Este grande Pastor, que se destacava precisamente por sua simplicidade e humildade, usava do seu posto militar para empreender uma verdadeira atividade “subversiva”, e libertar os prisioneiros políticos. E, D. Clemente Isnard, o mesmo do Movimento Litúrgico a que nos referimos e que, por feliz coincidência, foi quem me ordenou presbítero. D. Isnard tem uma das mais belas páginas de sua história escrita no Livro da Vida, referente também à solidariedade com as vítimas do regime militar. Mantinha, em sua residência, com todos os riscos que a iniciativa comportava um porão reservado aos perseguidos pela ditadura. Aí, recebia, acolhia e abrigava todos/as os/as fugitivos/as que a ele acorriam.

A voz e a ação profética desses Pastores ecoavam afinadas porque fundamentadas na certeza de que “não há maior amor que dar a vida pelo irmão”, e no rico patrimônio da fé legado por Medellín, onde a violência “institucionalizada” que se exerce contra os fracos é condenada por unanimidade. É igualmente denunciada toda forma de injustiça como pecado social – grave! –, e os Bispos, emprestando sua voz às inúmeras vítimas do sistema, gritam profeticamente: “Que sejam derrubadas as barreiras da injustiça e da opressão!”

Dado de grande importância é que entre as conclusões de Medellín está o reconhecimento, a todo o Povo de Deus, do legítimo direito de lutar para defender a vida ameaçada pelos regimes de força (insurreição popular contra a repressão). Ninguém precisa se assustar porque tanto Medellín quanto mais tarde D. Romero só fazem retomar uma velha doutrina já expressa por Santo Tomás de Aquino, e não é mais do que o que é de conhecimento público na justiça comum: o direito à legítima defesa. Este elemento, especialmente relevante em contexto da América Latina oprimida e reprimida por militares e ditadores cruéis e sanguinários, contribuiu para, posteriormente, derrubar a ditadura de Somoza na Nicarágua, uma das mais nefastas da nossa história! O absolutamente novo e original na Revolução Popular Sandinista, cujo triunfo se deu em 1979, foi a participação maciça dos cristãos e cristãs que, tendo assimilado as orientações de Medellín, uniram sua fé à luta pela justiça de maneira tão harmoniosa, que já não podiam separar cristianismo e revolução: “entre cristianismo y revolución no hay contradicción!” À diferença, por exemplo, do que ocorrera em Cuba, cuja data da vitória remonta a 1959 e, portanto, antes, tanto do Concílio quanto de Medellín. Aí, não só os cristãos (pelo menos os católicos) não se comprometem com o processo revolucionário, como até se opõem a ele.

No conjunto, vale lembrar que Medellín registra, em consonância com a mais fina Tradição, o tripé que sustenta a Igreja como obra de Deus através da história: a Igreja latino-americana se impõe, já não pelo autoritarismo, mas:

a) no reconhecimento, valorização e promoção do Povo de Deus;
b) na voz e ação profética dos Pastores; e,
c) no testemunho fiel de seus Mártires.

4.6. Um “casamento feliz”

Por mais extenso que fosse um discurso sobre Medellín, jamais conseguiríamos incorporar nele toda a beleza e riqueza de conteúdo, de forma, de criatividade, de participação, de compromisso, que este evento significou para a Igreja Latino-americana e Caribenha. Mas poderíamos ensaiar uma síntese de sua herança no que temos chamado de “casamento feliz”, e que teve como que seu berço nesta 2ª Conferência do CELAM, articulando correta e concretamente a relação teoria-práxis, na ordem que segue:
a) A Opção pelos Pobres, que é garantia do seguimento de Jesus, que também optou por eles, destinando-lhes seu Reino de Justiça e de Vida;

b) a difusão das CEBs, que lutam para transfigurar o rosto da sociedade e da Igreja, reconhecidas como “grande sinal de esperança para a Igreja universal” (Paulo VI); e,

c) a Teologia da Libertação que, com sua origem no Êxodo (cf. 3,7ss), articula o “grito do oprimido” a partir das práticas libertadoras das comunidades, consagrada “não apenas oportuna, mas útil e necessária” (João Paulo II).

4.7. Puebla (1979): continuidade descontinuada?

Apesar de ser diferente o contexto sócio-econômico e político-religioso em 1979, 11 anos depois de Medellín, o clima continua tenso e os bispos reconhecem que os grandes problemas sociais, em lugar de diminuir, tornaram-se ainda mais graves. Constata-se, também, que a tensão vivida nas sociedades se reproduz no interior da Igreja.

A opção pelos pobres ganha o adjetivo “preferencial”.[7] Além dela, a opção pelos Jovens, pela Comunhão e Participação e pela Dignidade da Pessoa Humana são destaques em Puebla. Para além dos desafios da conjuntura, no entanto, os Pastores continuam denunciando profeticamente os regimes de força espalhados pelo Continente, e a Ideologia de Segurança Nacional, que atentam contra a vida e as liberdades individuais e coletivas. Simultaneamente proclamam a dignidade da pessoa humana como dom maior que deve ser respeitada e defendida, como honra devida ao Criador.

A “Igreja de Puebla”, mesmo nas “negociações” que se viu obrigada a fazer em razão da onda de (neo)conservadorismo interno e externo, mantém e fortalece passos importantes nas pegadas de Medellín:

a) a opção “preferencial” pelos Pobres acabou sendo um tiro que saiu pela culatra, abrindo variadas discussões mundo afora, e mobilizando comunidades, grupos, associações, o Movimento Popular etc. para a organização dos Pobres como tarefa prioritária e opção “incondicional”;

b) a opção pelos Jovens, nos lugares em que foi e é acolhida e assumida, contribuiu e contribui para rejuvenescer o rosto da Igreja, dando-lhe novo vigor missionário;

c) a opção pela Comunhão e Participação incrementou o processo já desencadeado de descentralização, presente de forma mais visível nas CEBs, enriquecido agora pelos “novos ministérios” confiados aos Leigos e Leigas;

d) finalmente, a opção pela Dignidade da Pessoa Humana reforça o compromisso da Igreja com a justiça, com os direitos humanos, com a defesa da vida.

À luz destas opções, poderíamos dizer que Puebla colaborou para fazer evoluir o perfil da Igreja da América Latina no que se refere à realidade de empobrecimento em 4 níveis distintos, mas interativos:

e) a ampliação do conceito de pobre que, até então, era reduzido à mera e simples privação dos bens básicos:

“Na vida real vemos tantos rostos, e neles devemos reconhecer os traços do Cristo sofredor. Rosto de índios, de negros, que vivem colocados de lado pela sociedade. Rosto de camponeses, de operários, quase sempre mal pagos. Rosto de pessoas amontoadas nas periferias das cidades. Rosto de desempregados e subempregados. Rosto de jovens desorientados, sem lugar na sociedade, sem oportunidades. Rosto de crianças, marcadas pela desnutrição, que carregarão as conseqüências disso por toda a vida. Rosto de velhos, cada vez mais, colocados de lado...”;[8]

f) a correção de uma distorção ideológica que perdurou séculos de história, onde o pobre é pobre porque quer, ou porque é vagabundo, ou, ainda, porque Deus quer assim:

“Descobrimos que esta pobreza não é uma etapa casual, mas sim o produto de determinadas situações e estruturas econômicas, sociais e políticas...A situação interna de nossos países encontra, em muitos casos, sua origem e apoio em mecanismos que...produzem, em nível internacional, ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”.[9] A pobreza, portanto, não é casual, mas causal, e o pobre não é tão somente pobre, mas empobrecido;[10]

g) a responsabilidade (culpa) de quem compactua com o sistema que empobrece:

“Vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma contradição com o ser cristão, a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de alguns poucos converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas. Isto é contrário ao plano do Criador e à honra que lhe é devida”;[11]

h) a conversão de corações e estruturas começa em casa pela pobreza evangélica que

“une a atitude de abertura confiante em Deus com uma vida simples, sóbria e austera, que aparta a tentação da cobiça e do orgulho”, bem como “pela comunicação e participação dos bens materiais e espirituais; não por imposição, mas por amor, para que a abundância de uns remedeie a necessidade dos outros”.[12]

4.8. Santo Domingo (República Dominicana, 1992) : “novo espetáculo, em novo palco”

Contexto: O tempo é de “abertura política”, com a presença de novo ator no cenário mundial: o capitalismo neoliberal, que baseado nas leis do mercado, do consumo e das pequenas, porém, eficazes concessões, busca garantir seu espetáculo. No terreno eclesial, está em curso a “volta à grande disciplina” (Libânio).

Opções: pela Inculturação - pelo protagonismo dos Leigos e Leigas - pela Solidariedade - pela Leitura da realidade a partir dos desafios contemporâneos.

Anúncio-denúncia: Sintomas negativos da ambígua globalização, tais como o egoísmo, individualismo, consumismo etc., podem conduzir fatalmente a humanidade ao fracasso total e à morte. Só o cultivo da solidariedade, no respeito às “minorias” étnicas excluídas, e na defesa da vida humana e ecológica, poderão garantir a felicidade do planeta.

Conseqüências práticas: A “Igreja de Santo Domingo”, apesar de seu contexto extremamente desafiador, oferece pistas importantes para a construção do “outro” mundo e da “outra” Igreja possíveis. As opções aí assumidas vão todas na linha de considerar e responder aos “sinais dos tempos e lugares”. O protagonismo dos Leigos e Leigas, p. ex., aparece como resposta seja ao amadurecimento da teologia laical, seja às experiências positivas de democratização da instituição, desde Medellín, seja ao desenvolvimento e difusão das CEBs, “novo/velho” jeito de ser Igreja, seja ainda à crise por que passa a Igreja, carente de ministros ordenados. A inculturação mantém a vitalidade e força do Evangelho como Boa Nova que é proposta e projeto de libertação, uma vez respeitada a diversidade cultural. A solidariedade, ampla, geral e irrestrita, deve unir a América Latina e o mundo através de alianças e parcerias em favor da vida para todos e todas, e para tudo.
____________________
[1] Cf. Documento sobre a Conferência de Aparecida, publicado por ZENIT, disponível no sítio: http//www.zenit.org/portuguese/archivo_documentos. Ver também a reportagem detalhada publicada pelo Jornal de Opinião. Semanário da Arquidiocese de Belo Horizonte, nº 932, 9 a 15 de abril de 2007, 10-11.
[2] Ou ainda “transnacionais”, conforme posteriormente foram mais adequadamente chamadas.
[3] Aqui já é CEB - Comunidade Eclesial de Base.
[4] CNBB. Coleção Estudos nº 3. Comunidades: Igreja na base, 37.
[5] Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Ad Gentes 5, na linha do belíssimo trabalho que posteriormente seria elaborado, para o nosso contexto latino-americano, por I. ELLACURIA. La Iglesia de los pobres, sacramento histórico de liberación. Estudios Centroamericanos 32 (1977) 707-722.
[6] CNBB. Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil, doc. 25, 1985, nº 63.
[7] Puebla 1134-1165.
[8] Id. 31-39.
[9] Id. 30; cf. 63-70.
[10] Id. cf. a nota 331 do nº 1135.
[11] Id. 28.
[12] Id. 1149-1150.

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